Notas do Império 4 - Cuidado com os trilhos!

Imagem de the place promised in our early days (modificada)

Eu já fiz um material falando disso, mas apenas de maneira bem superficial. Descobri recentemente que até há um termo especifico pra isso: Railroad. Como muita coisa de games e do próprio RPG vem do inglês.
Railroad, traduzindo significa literalmente trilhos de trem.

Em RPG, railroad é quando o mestre literalmente tem um curso de eventos que não aceita serem transpostos na trama. Alguns podem fazer isso por serem extremamente vinculados a parte das regras do jogo, principalmente a parte de combate, e não conseguem aceitar que seus desafios sejam superados com outras ideias (como você enganar o dragão ou, com sorte, transforma-lo em lagartixa ao invés de zerar seus PV's). Outros são preciosistas em suas obras e já estão com a ideia da mesa bem adiante e tal ideia dos PJ's descartaria completamente ou parcialmente o planejamento, talvez comprometam o mundo (de repente os jogadores decidem deixar a campanha épica de salvar o mundo pra tentar ajudar uma garota a reverter a maldição de sua cidade ou coisas desse gênero). Quem sabe queira que os PC's ou NPC's que gosta não seja(m) morto(s).

Mas vejo que muitos mestres, mesmo tendo experiência parecem utilizar, talvez mesmo sem perceberem, essa "estratégia".

Claro que, há jogadores que podem se beneficiar com isso. Iniciantes e alguns jogadores mais propensos a serem levados pela historia, quer sejam indecisos, tímidos ou assustados demais (em achar que estão fazendo a "coisa errada", por que infelizmente não perceberam que no RPG não existe isso de fato).

Há vários motivos que convergem pra essa alternativa. Vou tentar falar mais um pouco sobre eles adiante:
1 - Manter planejamentos futuros;
2 - Salvar os personagens jogadores;
3 - Evitar alterações bruscas no cenário;
4 - Poupar personagens não jogadores.

1 - Manter planejamentos futuros:
Esse é o motivo mais comum dessa decisão. Em geral é um mestre que está com a trama pronta "alguns passos adiante", mas precisa que certos eventos sejam realmente feitos (as vezes não feitos).
Como no caso, se de repente um traidor fosse morto pelo grupo por um motivo banal, deixando o evento impossível de ocorrer, forçando ou desistindo de um bau na qual a chave que estaria dentro da próxima dungeon ou os jogadores ignorarem as mensagens do tal velho da taverna sobre a princesa sequestrada que faria o rei posteriormente confiar-lhes uma mensagem para um general que abriria a missão de capturar um traidor como ele havia planejado meticulosamente.
Em geral pode haver uma certa necessidade do mestre alterar a situação para que haja interesse para os personagens em si, ao invés da velha visão genérica de missão - ouro - missão - ouro ou aquele altruísmo exacerbado (faço por que é o certo!). Talvez o guerreiro tenha ouvido falar do chefe da guarda que conhece um golpe poderoso, o bardo queira um título de nobreza pra poder esnobar sua família rica que o ignorava, o mago que sabe que a família real guarda alguns livros de sua linhagem morta, podendo ter segredos úteis ou até mesmo o tímido ladrão tenha se apaixonado a primeira vista pelo retrato da princesa.
De fato, depois da primeira sessão, em geral a equipe fica coesa o bastante pra se guiarem apenas pela motivação de um ou dois dos jogadores ao invés de todos...
Mesmo assim, pode acontecer coisas como: matar o mensageiro que fala do sequestro, falhar no resgate, deixar o traidor fugir, decidir fazer outra coisa ao invés de entregar a carta ou ser capturado por espiões enquanto levava, fazendo os mesmos saberem sobre o conteúdo ou quem sabe tenham concluído que o capitão era um traidor ou apenas não gostaram do jeito mandão dele, fazendo um motim. Infelizmente não dá pra narrar bem apenas usando um guia. As vezes é preciso ter um jogo de cintura e também dar consequências adequadas.
D&D Adventurers

2 - Salvar os personagens jogadores:
O segundo clássico motivo pra isso. É um efeito padrão de vídeo-game que muitos mestres se bitolam em usar. As vezes o jogador quer fazer algo com consequências obviamente negativas: Talvez atacar o rei por achar interessante o desafio de matar os guardas reais, matar um aristocrata metidão e irritante enquanto estão infiltrados numa cidade hostil, entrar em um quarto aleatório de uma fortaleza que invadem ao invés de seguirem direto a sala do tesouro.
Alguns mestres criam eventos impeditivos a isso, por mais ilógico que seja (por exemplo um poder invulnerável em volta do rei ou um mago do nada faz o personagem parar) algumas vezes até deixam fazer, mas retalham imediatamente o jogador, nesse caso sendo o caso 3.
O mais certo seria, em geral uma "demonização" do(s) personagem(ns), tornado suas vidas bem difíceis a partir disso. Claro que a partir do momento que atacam o rei, independente de ter sucesso ou não, terão os guardas e a nobreza como antagonistas e terão sérias dificuldades de saírem dali vivos. Atacar um nobre em uma cidade inimiga vai fazer com que os mesmos tenham recompensas por suas cabeças alem de atrair a atenção dos guardas tendo uma fuga quase impossível. Entrar aleatoriamente em salas da masmorra podem gerar riscos desnecessários, mas possivelmente possam contornar com violência, magia ou lábia.
Hallowed life barrier, de Yu-gi-oh

3 - Evitar alterações bruscas no cenário:
Em geral é bem comum, principalmente quando mestres acabam passando uma missão épica que pode mudar o destino do mundo, de algum NPC extremamente relevante da campanha ou deixar os jogadores ou o antagonista na posse de um artefato extremamente poderoso.
Infelizmente até eu mesmo ja senti o desespero ao ver que talvez alguma entidade imensuravelmente poderosa fosse se manifestar no plano material, ou uma energia arcana ancestral sairia de controle, tornando a vida dos mortais um inferno, mas infelizmente é importante fazer as falhas dos jogadores terem reflexos no cenário, caso contrário eles também não darão a minima se estão bem preparados pra lidar com a próxima ameaça ou não e, até mesmo, podem fazer propositalmente ações que poderiam comprometer a missão, pois saberiam que o mestre daria o jeito pra consertar tudo depois.
Em geral isso não tem tanto impacto com iniciantes, que talvez não entendam exatamente a possibilidade do mestre sempre "salvar o dia" mesmo sem os jogadores, mas é muito irritante pra quem já tem alguma noção de jogo, em geral se sentido impossibilitados de alterar o mundo, que tenderá a manter aquele status kor com a intervenção do mestre.
Mas nem sempre precisa ser por uma falha. As vezes jogadores podem se empenhar pra tirar do mundo alguma figura importante que afetaria o equilíbrio da nobreza, dos reinos, relação das igrejas ou até mesmo a forma que as entidades superiores se inter-relacionam, muitas vezes de propósito.
Bem comum também ter uma certa retaliação dos mestres nesse caso. Claro que a vida dos jogadores vai ladeira abaixo a partir de certas ações espontaneamente negativas, mas muitos tem um certo espirito de vingança, gerando inimigos unilaterais propositalmente para dar "uma lição" para os jogadores que é tão nocivo quanto (por exemplo, ao matarem o rei, um paladino de poder incomparável derrotar todos ou quando estragam a missão por matarem um nobre guardas de poder absurdo esmagam os jogadores com uma tropa de arcanos investigadores).
Figura tirada de Sputinik news

4 - Poupar personagens não jogadores.
Uma coisa que ouvi muito em outras dicas de RPG e resolvi que deveria ser incluída. De fato, alguns mestres tem certo favoritismo por NPC's que usam. Talvez aquele mago que passe informações para o grupo. Ou aquele garoto que vive tentando ir atrás dos heróis. Até mesmo o vilão badass (não funciona traduzida literalmente. Ela é referencia aqueles personagens inaplacáveis com suas ideias e ações. O cara que "toca o terror") que preparou pra ser derrotado só depois de várias campanhas.
Talvez devido a sorte, imprudência ou teimosia dos jogadores, talvez esses personagens durem menos do que deveriam. E ai que entra o problema, pois nesse caso não é o que o mestre deseja e ele pode acabar considerando a ideia de mantê-lo, frustando os esforços do s jogadores.
Claro que é bem comum as reviravoltas feitas por personagens "mortos-vivos" na mídia, mas as vezes não chega a fazer sentido nenhum e é ai que entra o problema de fato, pois dá a impressão que os esforços dos personagens são menos importantes do que o planejamento ou o interesse do mestre.
Infelizmente há um certo desbalanceamento que pode ser gerado devido a isso. Em D&D principalmente, o vilão pode portar itens que estejam muito acima do poder do grupo. Nesse caso seria mais interessante talvez botar um outro antagonista que estaria interessando no mesmo, aproveitando que heróis fracos agora estavam com a posse (o que com certeza vai se tornar o alvo dos mesmos no próximo arco!), podendo até mesmo fazer uma missão fake (falsa) pra deixa-los enfraquecidos, do que fazer os mesmos desaparecerem, desintegrarem ou coisas similares.
Sephirot de Final Fantasy 7

Eu realmente tenho certa duvida se todos esses conceitos se encaixam na definição Railroad, mas sinceramente todos tem relação direta com a ideia do mestre tirando a capacidade dos jogadores de alterarem o cenário, tanto de maneira macro (o reino, o mundo, os multiversos talvez...) como micro (seu personagem, o grupo...). Algumas vezes até achar que está dando uma lição para os jogadores aprenderem a jogar "certo". Falando novamente que, por mais que os jogadores podem fazer besteira, até mesmo de propósito, eles deverão ter consequências adequadas, até mesmo a morte do personagem, mas não existe modo errado de jogar.
Pensando bem, uma menção adequada que poderia ser mencionada talvez como exceção aqui seria: evitar que um único personagem deliberadamente destrua a campanha ou os esforços do grupo.

Evitar que um personagem, as vezes de birra com alguma coisa, ou as vezes que constantemente queira fazer coisas que trariam consequências absurdas  por motivos pessoais (do jogador, não do personagem) destrua a campanha. Nesse caso, seria bom direcionar as consequências apenas para o mesmo, em prol do resto da equipe. Claro que pode ter uma conversa em off antes do ato pra verificar se há algum outro problema desencadeando aquilo e se pode ser resolvido, mas se o tal quiser mesmo quiser realizar o evento, seria bom que as consequências de alguma forma recaiam sobre ele. Caso não haja paliativos, sendo o personagem desligado do grupo, se não der ou quiser fazer sessões solo, a saída vai ser criar um novo personagem ou talvez, se achar que haveriam problemas futuros se perguntar se valeria a pena manter o jogador ali. Mas isso seria mais interessante abordar num outro tópico.
Material tirado do Rolld6: Ultimas Palavras - O jogador "eu ataco!" Exemplo clássico de jogador que pode complicar uma sessão

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